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Quem é Dorila Piló Veloso, que dá nome ao CEQ?

Por Heliton Martins Reis Filho.

 

A Profª. Dorila Piló Veloso tem uma trajetória memorável na Universidade, na Química e na Sociedade. Enquanto ainda estudante de Graduação em Química da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais, participou da fundação do Grêmio Cultural do Instituto de Química e compôs a primeira gestão da Entidade que passaria a se chamar CEQ mais tarde. (A então UMG já havia se federalizado em 1949, mas só se tornou UFMG em 1965. A FaF, por sua vez, se tornou FAFICH em 1968, por força da Reforma Universitária).

Foto da Professora Dorila, mulher branca, de olhos castanhos, com cabelos castanhos encaracolados na altura do pescoço. Utiliza uma roupa cinza listrada por baixo de um jaleco branco. No fundo, em desfoque, aparece um laboratório de pesquisa, no qual é possível ver um microscópio e uma capela de exaustão de gases.

Trajetória Acadêmica

Com Graduação e Doutorado em Química pela UFMG, Doutorado em Sciences Physiques pela Université Scientifique et Medicale de Grenoble (França, 1978), e pós-doutorados no Centre d’Études Nucleaires de Grenoble (1979) e na East Anglia University (1980), a Profª. Dorila foi Professora Titular do Departamento de Química e uma das responsáveis pelo Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear de Alta Resolução (LAREMAR/UFMG) até 2014, quando se aposentou.

Integrou a diretoria da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), foi membro do Conselho Curador da FAPEMIG, Pró-reitora de Pesquisa da UFMG, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Química da UFMG e subchefe do Departamento de Química da UFMG. Alguns dos prêmios que recebeu foram:

  • Prêmio Marie Curie, da Sociedade Brasileira de Química (2011);
  • Medalha da Inconfidência, do Governo do Estado de Minas Gerais (2006);
  • Medalha 50 anos da CAPES (2001);
  • Medalha da Inconfidência, do Governo do Estado de Minas Gerais (1998);
  • Medalha Santos Dumont, Governo do Estado de Minas Gerais (1994);
  • Honra ao Mérito Científico Patrono Prof. Fritz Feigl, do Conselho Regional de Química da 6ª Região (1992).

Professora Emérita e patrona do CEQ

Em 2015, recebeu o honrroso título de Professora Emérita do Instituto de Ciências Exatas da UFMG, título conferido ao professor titular aposentado que foi destaque durante a sua carreira, apresentando uma contribuição expressiva à Universidade e à Ciência. É, de certa forma, a maior titulação possível dentro da carreira docente. Na solenidade, o então diretor do ICEx, Prof. Antônio Flávio de Carvalho Alcântara, destacou que “a professora foi pioneira e uma das principais lideranças em pesquisa na área de Química moderna, em especial no uso da técnica de ressonância nuclear para a elucidação estrutural de ligninas, com grande contribuição no estudo sobre rejeitos de madeira.”

Em 2022, durante o processo de refundação e regularização jurídica do CEQ, a Assembleia Geral dos Estudantes de Química deliberou por homenagear a professora na razão social da entidade, que passa então a se chamar Centro de Estudos Dorila Piló Veloso de Química.

Um trecho do discurso da Profª. Dorila na solenidade em que recebeu o título pode ser lido a seguir. O discurso completo pode ser lido aqui.

Evoco lembranças de minha vida quiçá já um pouco longa.

Nasci num tempo de guerra (1944). Vivi a juventude entre jovens revolucionários que queriam mudar o mundo. E conseguiram. Beatniks, hippies, existencialistas, vanguardas e correntes políticas, de posse das armas da crítica e da crítica das armas, romperam comportamentos, hábitos, culturas, ideologias: revoluções proliferavam nos cantos mais ocultos do Planeta, disseminando ideias que ofereciam um futuro radiante e glorioso. A confiança era o mundo encantado das revoluções comportamental, política, científica, tecnológica, cultural, sociológica. Revolução das mulheres pela igualdade de gênero, rebelião dos negros contra o racismo, levante das periferias do sistema social e econômico contra a miséria, resistência ao colonialismo, lutas de libertação nacional; enfim, tempestades solapavam a sociedade velha, cujas bases não resistiram aos terremotos que, como se fossem cogumelos do outono, brotavam na primavera.

Assim, o que um “obscuro” filósofo grego havia previsto se confirmou: tudo muda, exceto a mudança. Personagens de dimensões grandiosas saltaram na história de um tempo mutante: Gamal Abdel Nasser, Ahmed Ben Bella, Mao Zedong, Ho Chi Min, Ernesto Che Guevara, Nelson Mandela, Patrice Lumumba; Federico Fellini, Luchino Visconti, Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Simone de Beauvoir, Jean Paul Sartre, Herbert Marcuse; enfim, uma infinidade de personagens históricas preenchiam nossos dias com suas ideias de mudar o mundo, romper o passado de barbárie que nos havia legado 50 milhões de mortos, nas insanidades da primeira metade do século XX.

Cito os versos:

E quem pensou que era uma maré, descobriu que foi um dilúvio.
Foi um tempo de guerra, de gritos e sussurros; memória não faltará.
E de tanto perder:
vencemos.

Na Universidade Federal de Minas Gerais, mergulhados nas turbulências e turbilhões do tempo, estudantes expressavam ideias políticas, pensavam as artes, a economia, as ciências e técnicas que aprendiam, mas, principalmente, mudavam o comportamento: o novo se livrava do velho rejeitando o que ele tinha de mais violento e de atrasado. No “murinho” do pátio que dava acesso ao saguão da Faculdade de Filosofia alunos de química, física, biologia, matemática, misturavam-se a filósofos, geógrafos, historiadores, estudantes de letras, jornalismo, pedagogia, psicologia, ciências sociais; todos mergulhados numa mesma aventura, que conduziu a espécie humana a um dos momentos mais criativos de sua história. Integrar esta aventura foi um privilégio indescritível.

Nossos mestres, Arthur Versiani Veloso, Pedro Parafita de Bessa, José Israel Vargas, Aluísio Pimenta, Francisco Magalhães Gomes, Herbert Magalhães Alves, dentre outros, compreendiam que tudo valia a pena; cautelosos, nunca negaram o enredo. Na tentativa vã de impedir a liberdade de ser livre, a violência das ideias autoritárias foi derrotada: os governos militares não foram capazes de impedir que os ventos mutantes soprassem sobre o cotidiano. A Universidade reafirmou sua natureza libertária.

Vivi 53 anos dentro da UFMG, 45 como professora. A aposentadoria compulsória interrompeu esse curso. Mas, afinal, a vida é sábia: os jovens devem ocupar o seu lugar. São elos que perpetuam o melhor de nós.

Passado meio século, me deparo com uma universidade que evolui sob um estresse profundo; onde há poucos indicadores que apontam a “linha do horizonte”. Na vida atual a lama mata o velho rio; nuvens negras cobrem os céus de chumbo preenchidos de poeiras químicas, que impedem o calor de se dissipar no vazio do espaço. Definitivamente, há um efeito estufa que cobre os emergentes da “poeira de estrelas”. O mundo dos sonhos revolucionários foi substituído por um mundo em desencanto e desilusão; o progresso das ciências, a cultura, a acumulação do conhecimento, o “saber fazer”, não ofereceram à humanidade os frutos que prometiam. E nada justifica prosseguir o “faz de conta”: na verdade, nuvens sombrias enfumaçam nosso futuro. Porém, considerando a seta do tempo da aventura humana e a história da Universidade, tenho esperança na recuperação do vigor da luta por dias melhores.

Sempre me impressionou verificar entre as rachaduras dos passeios de concreto a presença de frágeis folhinhas verdes de gramíneas, persistindo em brotar. Quanta energia foi necessária para vencer aquele paredão? É nas rachaduras dos muros que passam o tempo e a mudança.

Assim, uma analogia sustenta a visão otimista do mundo: a complexidade faz aumentar a ordem; e indica a direção para a qual “caminha a humanidade”.

Turbulências e turbilhões povoam este “mundo bizarro”, onde tudo muda para se repetir, para se conservar; mas continua igual. E, parece que é assim a evolução, que tal como os rios do “obscuro” Heráclito, corre e não corre; onde ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas: tudo muda, exceto a mudança. Para encerrar, gostaria de repetir a mesma pergunta que um “anjo torto” fez a Carlos Drumond de Andrade:

E agora, José?
Você quer ir para Minas.
Mas, Minas já não há mais.
Ao poeta Aragon de concluir: É assim que os homens vivem.
Mas seus sonhos continuam a persegui-los.

Obrigada a todos.